Considerações Finais (texto integral)

(Rui Moura, 1997)

 

A natureza do processo de aprendizagem autodirigida

A evolução da confiança do aprendente e das representações acerca de outros elementos do processo de aprendizagem

A autonomia do aprendente

O contexto da aprendizagem

A interacção com os outros

Limitações deste estudo e recomendações para futuros estudos

 

Este estudo teve como objectivo conhecer e caracterizar o processo de aprendizagem autodirigida. Analisámos para tal uma amostra de dez mestrandos que desenvolviam as suas teses. Procuraremos ao longo deste capítulo apresentar e discutir os resultados, apresentando também as principais conclusões deste estudo. Este estudo procurou dar resposta às seguintes interrogações: 1) será que o processo de autodirecção na aprendizagem decorre de forma linear e semelhante em todos os aprendentes?; 2) como evolui a representação dos aprendentes, à medida que o processo de aprendizagem se vai desenvolvendo, relativamente à temática de investigação, em relação a si próprios enquanto aprendentes, e em relação aos diversos elementos que acompanham o processo?; 3) de que modo evolui a autonomia do aprendente ao longo do processo?; 4) qual a influência do contexto que envolve o processo de aprendizagem no progresso dessa mesma aprendizagem?; 5) qual a importância da interacção com os outros em geral, e com o orientador em particular, para o desenvolvimento do processo de aprendizagem autodirigida?

Com vista a uma melhor clareza da análise dos resultados, dividiremos este capítulo em vários tópicos conclusivos de acordo com as questões que formuladas anteriormente, apresentando também as limitações deste estudo e recomendações para futuros estudos. Assim, analisaremos os seguintes tópicos: (1) a natureza do processo de aprendizagem autodirigida; (2) A evolução da confiança do aprendente e das representações acerca de outros elementos do processo de aprendizagem; (3) a autonomia do aprendente; (4) o contexto da aprendizagem; (5) a interacção com os outros; (6) limitações deste estudo e recomendações para futuros estudos.

 

10.1. A natureza do processo de aprendizagem autodirigida

Verificámos ao longo deste estudo que: 1) o processo da aprendizagem autodirigida não decorre de uma forma linear e que varia de projecto para projecto; 2) o desenvolvimento e o rumo do processo de aprendizagem está muito dependente das circunstâncias que o rodeiam; 3) cada processo de aprendizagem tem um percurso e história próprias; 5) o processo de aprendizagem é marcado por muitas flutuações.

Long (1990) observa que os diversos componentes da aprendizagem autodirigida têm bastante influência no desenvolvimento do processo. O ambiente que envolve a aprendizagem, a informação recebida, e o próprio aprendente influenciam a forma como o processo de aprendizagem se desenvolve (cf. Figura 6).

O processo da aprendizagem autodirigida está muito dependente das circunstâncias que envolvem o processo. Diversos autores acentuam que o processo de autodirecção na aprendizagem segue modelos imprevisíveis (Spear e Mocker, 1984; Spear, 1988; Danis e Tremblay, 1988; Candy, 1990; Baskett, 1991). Cavaliere (1990) declara que o projecto de aprendizagem dos irmãos Wright esteve muito dependente das forças contextuais, ou seja, dos recursos obtidos.

Neste estudo confirmamos a opinião destes autores de que o desenvolvimento e o rumo do processo de aprendizagem não é linear, e que está muito dependente das circunstâncias que o rodeiam. Verificámos que diversos acontecimentos imprevistos podem modificar e alterar o curso do projecto de investigação. Dois aprendentes entrevistados depararam-se com diversas contrariedades, seja a nível da saúde pessoal ou familiar, seja pela morte do orientador de tese. Estas contrariedades conduziram inevitavelmente a uma paragem forçada nos projectos de aprendizagem destes inquiridos. Estas situações trouxeram não só momentos de desmotivação, bem como alteraram toda a planificação que estes aprendentes entrevistados tinham feito para as suas investigações.

Mas, se estes acontecimentos inesperados foram apenas experimentados por dois inquiridos, o que é facto é que todos os aprendentes entrevistados sentiram que os pequenos acontecimentos do dia a dia não lhes deixavam o tempo necessário, e desejável, para prosseguirem com os seus projectos de aprendizagem. Estes aprendentes adultos tinham de assumir diversos papeis, seja a nível profissional, seja a nível familiar, o que lhes dificultava a gestão do seu tempo pessoal.

Diversos autores (Cross, 1984; Knapper e Cropley, 1985; Knox, 1986; Smith, 1988) salientam que o adulto assume uma diversidade de papéis ao mesmo tempo que é aprendente, o que dificulta a sua participação nas actividades de aprendizagem. Verificámos que esta situação é comum a todos os aprendentes entrevistados, tendo todos eles experimentado situações que lhes dificultaram o cumprimento dos timings que tinham estabelecido para as suas investigações: a situação profissional, as etapas de investigação que se alongaram mais do que o previsto, acontecimentos imprevistos a nível pessoal, a diversidade de tarefas familiares, e a disponibilidade das pessoas envolvidas na amostra da investigação, foram situações que dificultaram o cumprimento da planificação da investigação. Um dos inquiridos referiu mesmo que nesse ano, a nível profissional, havia mudado de serviço três vezes o que lhe deixava muito pouco tempo disponível para o seu projecto de investigação. Se é verdade que a grande maioria dos aprendentes estão bastante motivados para prosseguirem com as suas investigações, tal não significa que descurem as outras facetas da sua vida pessoal, especialmente a vida profissional.

Estas circunstâncias que envolvem a investigação não se reduzem apenas a acontecimentos da vida pessoal do aprendente. Brookfield (1993) chama à atenção para a acessibilidade do aprendente aos recursos, para que este possa assumir o controlo sobre a sua aprendizagem:

 

O total significado do controlo na aprendizagem autodirigida não se verifica na prática apenas pelo desejo do aprendente. Muitas supostas iniciativas de aprendizagem autodirigida naufragaram porque os que tentaram assumir o controlo sobre as suas aprendizagens não encontraram recursos para exercer devidamente esse controlo. (p. 237).

Verificámos que todos os inquiridos sentiram, na fase inicial do processo, muitas dificuldades em identificar e localizarem os recursos pretendidos. O não acesso a esses recursos não só trouxe bastante ansiedade, como também desmotivação, pois os aprendentes entrevistados sentiram muitas dificuldades em incrementar os seus conhecimentos sobre a temática que estavam a abordar. Trata-se, pois, de um período crítico do processo que o acompanha não só no seu início, como também no seu desenvolvimento. Na fase do desenvolvimento do processo, apenas um inquirido afirmou não estar a sentir dificuldades ao nível dos recursos bibliográficos para a sua investigação. Todos os outros inquiridos experimentaram dificuldades em encontrar e aceder à bibliografia pretendida. Os recursos bibliográficos foram importantes para a progressão das investigações dos aprendentes entrevistados, confirmando o estudo de Cavaliere (1990) onde a autora refere que o processo de aprendizagem está muito dependente do feedback das fontes bibliográficas.

Como podemos verificar a progressão dos projectos de aprendizagem esteve muito dependente das circunstâncias. É comum afirmar-se que cada indivíduo é único e irrepetível. Obviamente, que a personalidade de cada indivíduo influi no modo como o processo de aprendizagem evolui. Candy (1991) chama à atenção de que os "investigadores têm mostrado repetidamente que a autodirecção é um fenómeno extremamente individual" (p. 437).

Averiguámos, neste estudo, que cada processo de aprendizagem tem um percurso e história próprias. A evolução de cada projecto de aprendizagem varia de aprendente para aprendente, não só pelas circunstâncias que envolvem cada investigação, mas também pelo ritmo pessoal de cada indivíduo. Averiguámos que para seis inquiridos a exigência do cumprimento de tarefas e prazos lhes gerou bastante ansiedade, enquanto que os outros quatro encararam essas situações sem grandes preocupações. Observámos que seis inquiridos sentiram lacunas na sua formação para desenvolverem as suas investigações, enquanto que os restantes quatro inquiridos afirmaram não terem sentido dificuldades a esse nível. Notámos que na planificação das investigações, apenas um inquirido afirmou ter seguido o plano que havia delineado. Verificámos, também, que mesmo pertencendo a um mesmo grupo de aprendizagem, dois aprendentes entrevistados tinham visões distintas sobre a importância do grupo para os seus projectos de investigação. Se para um, o grupo tinha sido uma fonte de apoio, para o outro o mesmo grupo não lhe trouxe benefícios para a sua investigação, por não encontrar referências comuns relativamente ao seu projecto de aprendizagem.

Averiguámos que os processos de aprendizagem estudados foram marcados por muitas flutuações ao nível da motivação, e por bastantes momentos de ansiedade, que variavam de indivíduo para indivíduo. Desta forma, confirmamos a opinião de Smith (1988) de que a flutuação ao nível da motivação se trata de um problema bastante comum na aprendizagem autodirigida, pois "o entusiasmo inicial pode desaparecer rapidamente se o projecto experimenta dificuldades inesperadas" (p. 103).

 

10.2. A evolução da confiança do aprendente e das representações acerca de outros elementos do processo de aprendizagem

Averiguámos neste estudo que à medida que o processo de aprendizagem vai progredindo, a maioria dos aprendentes entrevistados foi manifestando uma maior confiança, e um maior entusiasmo sobre a investigação que estavam a realizar. Baskett (1990) refere que, ao longo do processo de aprendizagem, os aprendentes vão "revendo a imagem de si próprios como aprendentes." (p. 269). Candy (1991) considera que a autonomia do aprendente está muito dependente do conteúdo da aprendizagem. Uma pessoa pode revelar grande capacidade de autonomia na aprendizagem de um determinado tema e não manifestar essa capacidade com uma outra temática.

Verificámos neste estudo que à medida que os inquiridos iam conhecendo melhor as temáticas que estavam a abordar, a sua confiança e entusiasmo iam aumentando. No início do processo alguns inquiridos apresentavam algumas dificuldades e inseguranças, pois possuíam ainda uma vaga ideia sobre a temática que iriam abordar. Mas, à medida que o processo avança, os aprendentes entrevistados sentiram-se muito mais à vontade não só nos seus temas de investigação, como também na identificação e localização de recursos bibliográficos.

Na fase do desenvolvimento do projecto de aprendizagem, a maioria dos inquiridos apresenta-se muito mais confiante e mais segura em relação aos seus projectos de investigação, pois existe um conhecimento mais profundo sobre o tema da tese. Quatro aprendentes entrevistados referem mesmo a importância da descoberta de novas perspectivas sobre os seus temas de investigação, que inicialmente eram ignoradas ou pouco conhecidas, no incremento do seu entusiasmo e segurança.

Mas, a confiança do aprendente está muito dependente da forma como evolui o projecto de aprendizagem. De facto, também aqui as circunstâncias que envolvem o processo de aprendizagem têm muita influência no incremento, ou não, dessa mesma confiança. Três aprendentes entrevistados manifestam-se muito menos confiantes que os restantes inquiridos. Já referimos que dois deles viveram acontecimentos inesperados, seja a nível da saúde pessoal e familiar, seja pela morte do orientador pessoal, que os impediram de progredirem com o seu projecto de investigação. O desânimo e insegurança do outro inquirido deveu-se às dificuldades de comunicação com o seu orientador de tese. Este inquirido não encontrou no orientador uma fonte de apoio e de resposta às suas dúvidas, vivendo, assim, momentos de grande desmotivação e insegurança.

As expectativas dos aprendentes entrevistados são reflexo da evolução dos seus projectos de aprendizagem. Se a confiança e segurança dos inquiridos se tornam maiores, as expectativas relativamente à investigação tornam-se mais ambiciosas; se, pelo contrário, a confiança e segurança dos aprendentes entrevistados diminui, as expectativas tornam-se muito menores.

A evolução das expectativas dos aprendentes abordados não se verifica apenas relativamente aos projectos de investigação. Se no início do processo os inquiridos desejavam que os seus orientadores os ajudassem na definição dos temas de investigação, e que fossem uma fonte de ajuda para o desenvolvimento da temática escolhida; à medida que o processo vai evoluindo os aprendentes entrevistados desejam que o orientador efectue um acompanhamento mais próximo e crítico, acentuando a necessidade que o mesmo seja competente. Ao acentuarem a necessidade de um acompanhamento mais próximo e crítico por parte dos seus orientadores, na fase do desenvolvimento do projecto de investigação, os aprendentes esperam que isso contribua para oferecer mais qualidade aos seus trabalhos de investigação. A apresentação de críticas, caminhos alternativos e sugestões por parte do orientador são fundamentais para a melhoria global do trabalho. Por isso, os inquiridos acentuam também, na fase de desenvolvimento da investigação, a competência do orientador, pois ela é a garantia de que a contribuição crítica do mesmo melhorará a qualidade do trabalho, permitindo transmitir ao indivíduo muito mais segurança relativamente ao caminho que está a percorrer.

 

10.3. A autonomia do aprendente

Observámos, neste estudo, que a autonomia dos aprendentes entrevistados esteve muito dependente das circunstâncias que envolveram as suas investigações. Com isto, não estamos a negar que existam pessoas que tenham uma predisposição natural para agir autonomamente. É verdade que existem indivíduos com mais capacidade de autodirecção que outros, e isso tem sido um dos temas que mais empolgou a investigação da aprendizagem autodirigida. A quantidade numerosa de estudos utilizando a escala de abertura à autodirecção na aprendizagem (SDRLS) de Guglielmino (1977) confirma que existem pessoas que estão mais abertas e predispostas a serem autodirigidas. Mais de metade dos artigos publicados nas conferências anuais de 1990, 1991, e 1992 da aprendizagem autodirigida utilizou esta escala.

Apesar de considerarmos que existem pessoas mais predispostas à autodirecção do que outras, isso não significa que a autodirecção seja uma condição de tudo ou nada. Candy (1991) observa que um indivíduo pode ser autónomo numa determinada aprendizagem e não manifestar essa autonomia noutra situação de aprendizagem, com uma outra temática. Assim, a autodirecção deve ser vista numa dimensão de continuidade:

 

A preferência pela autodirecção pode ser uma questão de grau - uma continuidade na qual a posição do aprendente depende de uma série de factores: estilo de aprendizagem, exposição à autodirecção, familiaridade com a temática; expectativas do ensino e aprendizagem; contexto político e social. (p. 3).

De facto, a autodirecção do aprendente está dependente da forma como evolui o processo. Verificámos que no início do processo de aprendizagem, a maioria dos aprendentes entrevistados conhece ainda muito pouco a sua temática de investigação, tendo o supervisor nessa fase do processo um papel preponderante no arranque da mesma. Mas, à medida que o processo se foi desenvolvendo, os inquiridos foram aumentando o seu conhecimento sobre as temáticas escolhidas. Já referimos anteriormente que o incremento no conhecimento pessoal dos inquiridos sobre o seu projecto de aprendizagem esteve muito dependente das circunstâncias que envolveram as investigações. Assim, a maioria dos aprendentes entrevistados tornou-se mais confiante e segura, à medida que iam conhecendo melhor as temáticas que estavam a abordar. Desta forma, este estudo confirma a opinião de Long (1991A) acerca do crescimento da autodirecção à medida que o processo de aprendizagem vai avançando:

 

No início da aprendizagem o aprendente tem apenas uma vaga ideia daquilo que pretende aprender. Pode querer aprender a representar, a pintar, a usar o computador, etc. à medida que o aprendente obtém mais informação os objectivos da aprendizagem vão-se tornando mais claros. (p. 5).

Esta maior clareza e segurança que a maioria dos aprendentes entrevistados foram adquirindo nos seus projectos de aprendizagem, permitiu-lhes assumir um controlo maior sobre as suas investigações. Este maior conhecimento permitiu, a diversos inquiridos darem-se conta de perspectivas que à partida ignoravam, ou que atribuíam pouca importância, motivando-os ainda mais a avançar nos seus trabalhos de investigação, e a aprofundarem ainda mais os seus conhecimentos sobre esses mesmos trabalhos. No entanto, os trabalhos de investigação de três inquiridos foram afectados por circunstâncias que dificultaram, ou impossibilitaram, que esses mesmos inquiridos conhecessem melhor os seus temas de investigação. Desta forma, estes aprendentes entrevistados sentiram muitas dúvidas e inseguranças, e dois deles manifestaram mesmo bastante desânimo e dificuldade em avançar nos seus projectos de aprendizagem.

Observámos, também, que à medida que os projectos de aprendizagem se foram desenvolvendo, os inquiridos foram assumindo um papel mais relevante na planificação das suas investigações. Se no início existe uma grande ajuda e intervenção do orientador neste campo, à medida que os projectos de investigação vão avançando são os inquiridos que assumem principal papel pela delineação do rumo das suas investigações. Como referiremos mais adiante, apesar de assumirem a responsabilidade principal pelo curso da investigação, isso não significou que os aprendentes entrevistados não interagissem com o orientador, ou outras pessoas. Verificámos que à medida que o processo avança os aprendentes entrevistados vão assumindo um maior controlo sobre as suas investigações, pois o maior conhecimento que vão adquirindo permite-lhes serem capazes de fazerem opções, avaliarem o seu percurso, e decidirem o que é melhor ou pior para o seu trabalho.

Esse controlo passa, também, pela capacidade crítica sobre a própria aprendizagem. Vários autores consideram tal capacidade fundamental para se ser aprendente autodirigido (Mezirow, 1985; Brookfield, 1987; Sisco, 1990; Candy, 1991). Apurámos, neste estudo, que a auto-avaliação teve, para os aprendentes entrevistados, um lugar central no desenvolvimento dos seus trabalhos de investigação, estando todos eles conscientes da sua importância para um trabalho desta natureza. Este olhar crítico sobre o caminho percorrido permitiu aos aprendentes entrevistados percepcionarem e corrigirem os erros cometidos, verificarem os progressos realizados nas suas investigações, e entusiasmá-los a avançarem com os seus trabalhos. A auto-avaliação permitiu, assim, não só a percepção das falhas cometidas, ou sobre o que ainda faltava realizar; através dela vários inquiridos foram-se apercebendo de que já existia algum caminho percorrido, que já possuíam um conhecimento maior sobre o tema que estavam a abordar, e isso motivou-os a avançar ainda mais.

Averiguámos neste estudo que a aprendizagem autodirigida é essencialmente concebida, pelos inquiridos, como uma aprendizagem onde o aprendente tem o papel principal de a iniciar e desenvolver, ou seja, uma aprendizagem que é controlada pelo aprendente. No entanto, essa autonomia está dependente das circunstâncias que envolvem o processo de aprendizagem, e que se vai afirmando à medida que o mesmo processo vai avançando.

 

10.4. O contexto da aprendizagem

Constatámos, neste estudo, a importância para os projectos de investigação seja do contexto da vida do dia a dia dos inquiridos, seja do contexto institucional em que os projectos de investigação estavam inseridos. Diversos autores consideram que o ambiente familiar e profissional é uma faceta que não deve ser esquecida no estudo da aprendizagem autodirigida (Cavaliere, 1990; Grow, 1991; Brouchard, 1996), tendo este estudo confirmado essa realidade.

Foi no decorrer da sua vida do dia a dia que os aprendentes entrevistados foram desenvolvendo as suas investigações. Alguns autores alertam para a importância de certos acontecimentos na vida do aprendente adulto que o tornam mais disponível para aprender (Knox, 1986; Brookfield, 1987; Brouchard, 1996). Para um dos aprendentes entrevistados foi a mudança, que experimentou a nível profissional, que o levou a optar pelo tema de investigação, existindo assim uma proximidade entre esse tema e a situação profissional. Verificámos que a maioria dos inquiridos decidiu optar por temáticas de investigação relacionadas com a actividade profissional, tendo vários deles optado por escolher uma amostra, para a parte experimental das suas investigações, relacionada com essa mesma actividade profissional.

Mas, foi sobretudo a nível do ambiente familiar que os aprendentes sentiram uma preciosa ajuda para prosseguirem com os seus projectos de aprendizagem. Sendo um processo marcado por muitas flutuações em termos de ansiedade e motivação, o ambiente familiar foi para a totalidade dos inquiridos uma fonte de ajuda, motivação, e estímulo para avançar e ultrapassar as dificuldades. O ambiente familiar representou para os inquiridos uma fonte de apoio muito importante nos momentos de desânimo, estimulando-os a não desistirem.

Este estudo debruçou-se sobre o processo de aprendizagem autodirigida inserida no sistema educativo formal, onde a exigência do cumprimento de tarefas e prazos, os grupos de aprendizagem, e o orientador de tese constituíram evidências do papel do contexto institucional nos projectos de investigação. Por uma questão de organização, analisaremos a importância do grupo de aprendizagem, e do orientador de tese, no tópico seguinte deste capítulo.

Os contratos de aprendizagem são referidos, por diversos autores, como um elemento muito importante no processo de autodirecção na aprendizagem (Knowles, 1985; Brookfield, 1986; Dupuis e Tremblay, 1992) Knowles (1985) refere que o contrato de aprendizagem é constituído pelos seguintes elementos:

 

Tipicamente um contrato de aprendizagem especifica (1) conhecimentos, competências, atitudes e valores a serem adquiridos pelo aprendente (objectivos de aprendizagem); (2) o modo como estes objectivos são alcançados (recursos e estratégias de aprendizagem); (3) a data para alcançá-los; (4) que evidências são necessárias para demonstrar que os objectivos foram alcançados; e (5) como estas evidências serão julgadas e validadas. (p. 38).

Nos projectos de aprendizagem estudados não podemos dizer que tenham existido contratos de aprendizagem de forma tão elaborada como a literatura refere. Mas, tal não significa que as considerações da literatura acerca dos contratos de aprendizagem, não tenham qualquer significado para este estudo; antes pelo contrário, averiguámos que a exigência do cumprimento de tarefas e prazos foram importantes, pois exigiram que os aprendentes entrevistados realizassem todos os esforços para uma melhor gestão dos seus tempos pessoais. Assim, a exigência de determinadas tarefas, com os respectivos timings, ajudou a que os inquiridos se autodisciplinassem, não deixando que o processo de aprendizagem se arrastasse indefinidamente. Alguns aprendentes entrevistados consideraram, mesmo, que deveria ter existido uma exigência mais formal no cumprimento deste tipo de tarefas, pois isso só seria benéfico para o projecto de aprendizagem. No entanto, alguns inquiridos alertaram para o facto de ser necessário ressalvar que estes timings devem de ter em conta o ritmo pessoal de cada aprendente.

 

10.5. A interacção com os outros

Ao longo deste estudo a aprendizagem autodirigida não foi considerada uma actividade isolada. A literatura, mais relevante deste campo de investigação, acentua a necessidade de interagir com os outros ao desenvolver-se uma aprendizagem desta natureza (Long, 1992A; Garrison, 1992; Brookfield, 1993). Neste estudo a interacção dos inquiridos com os outros efectuou-se essencialmente a dois níveis: com o grupo de aprendizagem, e com o orientador de tese.

Para os aprendentes envolvidos neste estudo, o grupo de aprendizagem assumiu uma especial importância. Num processo onde muitas vezes os inquiridos se sentiram sozinhos, e que foi marcado por altos e baixos ao nível da motivação, o grupo de aprendizagem surgiu como uma fonte de apoio importante. Verificarem que os outros elementos do grupo também tinham dificuldades, ajudou os inquiridos a diminuir a ansiedade inerente a este tipo de processo. Muitas vezes, também, o grupo de aprendizagem representou para os inquiridos uma fonte de estímulo e apoio para ultrapassar as dificuldades que iam surgindo ao longo do processo de aprendizagem.

Mas, o grupo não é apenas uma fonte de apoio. Através dele, os aprendentes entrevistados interagiam com os outros elementos de grupo, trocando informação, e acima de tudo recebendo visões alternativas relativamente àquilo que estavam a investigar. O grupo permitiu, muitas vezes, a vários inquiridos descobrirem coisas novas para os seus trabalhos de investigação. Este feedback permitiu que estes inquiridos sentissem que o grupo de aprendizagem os ajudou a melhorar a qualidade das suas investigações.

Mas, é necessário que o aprendente sinta que existam referências comuns para que essa ajuda se torne efectiva. Foi exactamente por não sentir essa realidade que um aprendente entrevistado recolheu muito pouco feedback do seu grupo de aprendizagem, tendo o seu grupo tido pouca relevância no desenvolvimento da sua investigação. Este facto não significa que este inquirido tenha considerado a importância dos grupos de aprendizagem, para este tipo de investigação, praticamente nula. Antes pelo contrário, ele é peremptório em salientar a pertinência do papel dos grupos de aprendizagem para este tipo de investigação, considerando, no entanto, que a criação dos grupos deveria ser feita à volta de projectos de aprendizagem comuns. Esta situação confirma a opinião de Rutland e Guglielmino (1987) que consideram, que para o grupo de aprendizagem ser eficaz, é necessário que os membros partilhem os mesmos objectivos e fins de aprendizagem.

É precisamente na fase em que os grupos de aprendizagem se reuniam menos vezes, ou seja durante a fase de desenvolvimento do processo, que os aprendentes entrevistados enfatizaram a importância dos seus grupos de aprendizagem para o desenvolvimento dos seus projectos de investigação. Sentindo a falta de encontros mais periódicos, vários inquiridos alertaram para a necessidade de ter existido uma maior institucionalização ao longo de todo o processo nos encontros dos grupos, e não apenas durante o quarto semestre do mestrado.

Se é o aprendente que detém o papel principal neste processo, o que é facto é que o supervisor é também uma figura a ter em conta no estudo da aprendizagem autodirigida:

 

A educação é essencialmente um encontro transaccional no qual aprendentes e professores entram em processo contínuo de negociação de prioridades, métodos e critérios avaliativos. (Brookfield, 1986, p.20).

Averiguámos que no início do processo o orientador assume um papel relevante quer na definição dos objectivos da aprendizagem das investigações, quer na planificação dessa mesma aprendizagem. A grande maioria dos aprendentes entrevistados foi unânime em considerar o papel crucial que o supervisor representou na fase inicial do processo. Além de ter sido uma fonte de ajuda, o supervisor estimulou os aprendentes entrevistados a avançar, numa fase em que estes se sentiam ainda muito inseguros relativamente aos temas que estavam a abordar.

Mas, à medida que o processo foi avançando os inquiridos foram requerendo que o orientador assumisse um papel diferente: uma postura mais crítica. Os aprendentes entrevistados sentiam a necessidade de uma outra visão sobre o seu projecto de aprendizagem, de outras perspectivas sobre o projecto que estavam a desenvolver. Brookfield (1986) considera que "uma das tarefas do facilitador é apresentar aos aprendentes alternativas aos seus modos de pensar, agir, e viver." (p. 19). Verificámos que os inquiridos sentiram a necessidade dessas sugestões, visões alternativas, que proporcionassem um incremento à qualidade da investigação. Desta forma, para os inquiridos, o orientador não é apenas o garante da executabilidade da investigação, mas também da qualidade dessa mesma investigação. Por isso mesmo, é que os aprendentes entrevistados foram expressivos em considerar a competência como uma qualidade fundamental que o supervisor deve possuir, pois ela é o garante da qualidade da investigação. Tal como no estudo de Sgroi (1990), quando os inquiridos não encontraram no orientador essa fonte crítica, manifestaram o seu descontentamento, sendo notória a desilusão por parte de alguns inquiridos relativamente aos seus orientadores de tese.

Verificámos também, pela negativa, a importância do supervisor neste tipo de processo. Dois aprendentes entrevistados sentiram bastantes dificuldades no desenvolvimento das suas investigações por não terem orientação, seja pela morte do orientador inicial, seja por dificuldades de relacionamento com o orientador pessoal. Sem o feedback do orientador, estes inquiridos sentiram-se sozinhos, e as dificuldades inerentes a este processo adensaram-se. Sem o orientador, as dúvidas acumularam-se e obviamente a confiança e a segurança destes inquiridos, relativamente às suas investigações, tornaram-se diminutas. Estes aprendentes entrevistados acentuaram a necessidade de um supervisor que os acompanhasse em todas as fases de um processo de aprendizagem desta natureza.

Salientemos, no entanto, que o facto dos inquiridos terem considerado mais diminuto o papel do orientador na fase de desenvolvimento do processo, pode ter sido influenciado pela circunstância destes não pertencerem aos quadros da Universidade Católica. De referir ainda que vários orientadores provinham de diversas Universidades do país, pelo que o apoio prestado aos aprendentes era naturalmente dificultado.

Verificámos, pois, neste estudo a importância da interacção com os outros para o progresso das investigações dos aprendentes entrevistados. Para além de constituir uma fonte de apoio e estímulo, a interacção com o grupo de aprendizagem e com o orientador foi importante para melhorar a qualidade da própria investigação.

 

10.6. Limitações deste estudo e recomendações para futuros estudos

Uma das grandes limitações deste estudo encontra-se na sua reduzida amostra: 10 mestrandos. Desta forma, as conclusões deste trabalho aplicam-se apenas a essa mesma população, tratando-se por isso de um estudo exploratório. Por outro lado, a amostra deste trabalho engloba apenas mestrandos de uma mesma instituição de ensino, a Universidade Católica, pelo que os resultados observados podem ter sido influenciados pelas circunstâncias organizativas do Mestrado em Ciências da Educação dessa mesma instituição. Assim sendo, não podemos generalizar os resultados obtidos a outros mestrados ministrados noutras instituições de ensino. Acresce, ainda, que este trabalho abarcou apenas duas fases do processo, o início e o desenvolvimento do mesmo, faltando, por isso, a análise da terceira e última fase, a finalização do processo de aprendizagem.

Como já afirmámos anteriormente, esta investigação procurou conhecer o processo de aprendizagem autodirigida a partir das representações que os próprios aprendentes têm do mesmo. Consideramos que também a opinião dos orientadores de dissertação ajudaria ainda mais ao conhecimento do processo de aprendizagem autodirigida. Candy (1991) recomenda que se efectuem estudos, sobre a aprendizagem autodirigida, tendo em conta a perspectiva dos supervisores. Tratando-se de uma limitação deste estudo, pensamos que é uma dimensão a ter em conta em trabalhos futuros. Também seria importante que estudos próximos procurassem abranger um maior número de aprendentes e de mais instituições de ensino. Além disso, seria também pertinente que futuros trabalhos acompanhassem o processo de aprendizagem até à sua finalização, o que contribuiria para o aprofundamento do tema em análise.

 

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