A Avaliação no processo Ensino-Aprendizagem

(Rui Moura, 1998)

 

A avaliação assume-se como uma temática bastante importante no campo das Ciências da Educação, sendo a investigação nesta área bastante extensa. A avaliação não é algo de exógeno ao processo de ensino-aprendizagem, nem independente das diversas componentes que envolvem o mesmo processo:

Quando falamos de avaliação não estamos a falar de um facto pontual ou de um acto singular, mas de um conjunto de fases que se condicionam mutuamente. Esse conjunto de fases ordenam-se sequencialmente (são um processo) e actuam integradamente (são um sistema). Por sua vez a avaliação não é (não deveria ser) algo separado do processo de ensino-aprendizagem, não é um apendice independente do referido processo (está nesse processo) e joga um papel específico  em relação ao conjunto de componentes que integram o ensino como um todo (está num sistema). (Zabalza, 1995, p. 239)

É este o acento tónico que a literatura mais relevante tem referido, ou seja, a necessidade de se conceptualizar a avaliação como parte integrante no processo do ensino-aprendizagem, e não como algo que lhe é alheio, e que apenas serve para 'julgar' os alunos.  É, pois, necessário ver a avaliação como parte integrante do processo ensino-aprendizagem. Além disso, a avaliação não pode reduzir-se apenas à análise das pessoas, e, neste âmbito, essencialmente dos alunos:

Quando se fala na avaliação escolar, imediatamente ocorre falar da avaliação do rendimento dos alunos como se esta fosse algo que recai exclusivamente sobre eles, ignorando-se os restantes intervenientes no processo de desenvolvimento de um curriculum. (Pacheco, 1995, p. 13)

Desta forma, a avaliação deve ser holística (analisando os diversos 'intervenientes' no processo de ensino-aprendizagem), deve ter em conta as diferentes perspectivas e interpretações dos diversos actores, devendo, também, contribuir para a análise da própria avaliação (meta-avaliação). Esta última vertente tem sido sobretudo acentuada pela corrente crítica na educação de adultos, observando a necessidade do indivíduo (neste caso, o professor) ser capaz de refazer o sentido dos esquemas assumidos, ou seja, ser capaz de aceder a pespectivas alternativas (Brookfield, 1986, 1995; Garrison, 1992; Mezirow, 1990, 1991). Assim, é fundamental que a avaliação assuma uma vertente crítica e reflexiva da própria acção, a fim de analisar e melhorar essa mesma acção: trata-se de um processo de reflexão-acção-reflexão. Para tal é necessário que o professor tenha em conta as perspectivas alternativas e diferentes interpretações dos outros actores do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, os alunos.

A investigação da sociologia das organizações, e em especial das organizações escolares, tem também contribuído para uma visão não redutora da avaliação. Se a década de 60 e 70 foi marcada por uma conceptualização determinista do sistema acentuando uma escola que é reprodutora de desigualdades sociais, a década de 80 marcou a ruptura desta análise determinista. Friedberg (1993) considera que no contexto da acção concreta, os diversos actores de uma organização desenvolvem jogos de poder: se os actores são constrangidos pelas regras do sistema, eles contribuem também para a alteração dessas mesmas regras. Lima (1991) observa que mesmo num sistema altamente centralizado (onde a estrutura central emana legislação a fim de impor as suas regras a todas as escolas), as escolas têm a sua forma própria de interpretar e agir, ou seja, têm identidades próprias. É neste sentido, que Macedo (1991) declara ser necessário um "desenvolvimento de um sistema de avaliação que corresponda simultaneamente a um processo de informação, de análise de recursos, de apoio à decisão e enriquecimento das escolas" (p. 133). A avaliação deve, pois não só ter em conta todo o processo e todos os intervenientes nele, como também deve ajudar a promover a melhoria da qualidade do mesmo.

As linhas que se seguem procuram contribuir, de uma forma sintética, para uma reflexão sobre a avaliação do processo de ensino-aprendizagem, apresentando alguns tópicos da reflexão teórica sobre esta temática.

 

 

Síntese de algumas reflexões teóricas

1. Análise de sistemas / avaliação por objectivos

A análise do sistema centra-se na concepção do ensino como uma tecnologia, ou seja na optimização eficaz dos resultados preestabelecidos da aprendizagem (Rivlin, 1971; Rossi, Freeman & Wright, 1979);

A avaliação por objectivos consiste numa constante comparação dos resultados dos alunos com os objectivos previamente determinados na programação do ensino (Tyler, 1942; Mager, 1962; Popham, 1975);

Para uma avaliação objectiva e eficaz é necessário formular com claridade e precisão os comportamentos individuais específicos nos objectivos de um programa, de um tema, ou de uma sessão de ensino.

2. A Avaliação como informação para a tomada de decisões

A Avaliação deve orientar-se fundamentalmente na recolha de informação a fim de comunicar essa mesma informação a quem tem de tomar decisões ao nível do ensino (Cronbach, 1982);

O acento tónico centra-se na qualidade da informação, devendo ser clara, oportuna, exacta e válida;

A função do avaliador é fornecer informação útil essencialmente sobre o processo, sendo o objectivo o aperfeiçoamento do ensino (Stufflebeam, 1971).

3. Avaliação sem referência a objectivos (Scriven, 1967; 1981)

A avaliação deve ter em conta duas vertentes: a análise do processo de ensino a fim de intervir para o seu aperfeiçoamento (avaliação formativa); o estudo dos resultados, não apenas os previstos nos objectivos, mas também os imprevistos (avaliação sumativa);

A avaliação sem referência a objectivos procura evitar que o avaliador se fixe apenas nos resultados previstos.

4. Avaliação baseada na crítica artística (Eisner, 1977)

Este modelo centra-se na concepção do ensino como uma arte e o professor como um artista;

A avaliação tem um carácter descritivo, uma carácter interpretativo, e tem a tarefa de realizar juízos de valor.

5. Avaliação baseada na negociação

5.1. Avaliação Iluminativa (Parlett & Hamilton, 1972)

A avaliação não pode abarcar apenas os resultados do ensino, mas o ensino em toda a sua totalidade;

A complexidade do processo não pode ser avaliado apenas utilizando uma metodologia objectiva, exacta, quantificável;

É necessário "combinar a observação, as entrevistas com os participantes (estudantes, instrutores, administradores, etc.), questionários e a análise de documentos e de informação sobre os antecedentes, a fim de ajudar a ‘iluminar’ ou esclarecer problemas, questões e significativos do programa." (p. 1).

5.2. Avaliação respondente (Stake, 1977)

A finalidade deste modelo é procurar responder aos problemas e questões reais que se colocam a professores e alunos quando desenvolvem um programa educativo.

A avaliação centra-se mais nas actividades do programa do que nas intenções do mesmo.

Toma em consideração as diferentes interpretações daqueles que estão envolvidos no programa, enfatizando a necessidade de implicá-los na análise e valoração do programa.

5.3. Avaliação democrática

Necessidade de investigar e avaliar a sala de aula com procedimentos metodológicos naturalistas.

O impacto de uma inovação não num consiste conjunto de factos separados, mas no conjunto de actos e consequências intimamente relacionados

Para conhecer a realidade e seus significados é necessário submergir no curso vivo e real dos acontecimentos e conhecer as diversas interpretações dos indivíduos que vivem esses mesmos acontecimentos.

Assim, as metas e propósitos de um currículo devem ser forçosamente compartilhados com os utilizadores desse mesmo currículo. As opiniões e interpretações dos participantes devem ser parte integrante da avaliação, sendo a mesmo, desta forma, um processo de negociação. (MacDonald, 1976)

A finalidade principal da avaliação deve ser facilitar e promover a transformação de concepções, crenças e modos de interpretar dos que participam no programa educativo (Stenhouse, 1975)

6. Aspectos essenciais na reflexão sobre a Avaliação

A realidade social é dinâmica e está constantemente em mudança;

O indivíduo é um agente activo que constrói e dá sentido á realidade;

O programa educativo não é um produto considerado à margem do contexto e dos sujeitos que o desenvolvem;

O avaliador deve ter em conta marcos de referência teóricos e possibilitar que a teoria surja dos próprios dados;

A metodologia deve ser ecléctica e adaptada ao meio educativo;

É necessária uma compreensão holística dos fenómenos, situações e factos;

A avaliação deve centrar-se fundamentalmente numa lógica inductiva.

 

Visões parcelares na Avaliação

Só se avalia o aluno;

Só se avaliam os resultados;

Só se avaliam os conhecimentos;

Avaliam-se apenas os resultados pretendidos;

Só se avalia principalmente a vertente negativa;

Avaliam-se somente as pessoas;

Avalia-se descontextualizadamente;

Avalia-se apenas quantitativamente;

Utilizam-se instrumentos inadequados;

Avalia-se de forma incoerente em relação ao processo ensino-aprendizagem;

Avalia-se esteriotipadamente;

Não se avalia eticamente;

Não se avalia para melhorar o processo;

Não se realiza a autoavaliação;

Não se pratica a avaliação contínua;

Não se clarificam as condições da avaliação;

Não se faz meta-avaliação

 

Características da avaliação

1. Integrada

Inserida no processo ensino-aprendizagem (Zabalza, 1995; Sacristán, 1998);

A avaliação faz parte do processo de aprendizagem compreensiva e significativa, possibilitando o diálogo crítico dos alunos sobre os problemas que encontram a levar ao cabo as suas tarefas (Elliot, 1990)

Apresenta um grande valor informativo sobre a evolução do processo de aprendizagem (Zabalza, 1995; Baker e Nishikawa, 1992; Knowles, 1985);

2. Holística e globalizadora

Tem em conta não só os aspectos intelectuais da pessoa do aluno, mas também as dimensões de tipo afectivo, social e ético;

3. Contínua

Centra-se numa perspectiva da avaliação integrada no processo ensino-aprendizagem;

Procura desenvolver um processo de reflexão - acção – reflexão (Brookfield, 1995; Mezirow, 1991).

 

A Avaliação como processo e como sistema

 

"Quando falamos de avaliação não estamos a falar de um facto pontual, mas de um conjunto de passos que se condicionam mutuamente. Este conjunto de fases ordenam-se sequencialmente (são um processo) e actuam integradamente (são um sistema).(…)

Toda a avaliação contém:

Propósito: cada avaliação responde a várias intenções (para saber como vão os alunos, para organizar um novo curso, para castigá-los, para subir notas, para analisar o clima relacional, etc.) (…).

Técnica: em função do propósito selecciono a técnica.

Questões colocadas: escolhido o tipo de técnica, selecciono as questões, problemas ou aspectos que vão estar incluídos na prova;

Aplicação: preparado o protocolo aplico-o, recolho a informação (…).

Resposta ou conduta dos alunos: os alunos (…) dão as suas respostas ou realizam a conduta solicitada.

Correcção: o professor ou o avaliador ‘mede’ os resultados.

Classificação: o professor ou o avaliador ‘valoriza’ os resultados.

Consequências derivadas da avaliação: podem ser de tipo pessoal, administrativo (aprovar-promover, suspender, repetir), familiar (prémios-castigos em casa), didáctico (feedback sobre o processo de ensino, etc.)." (Zabalza, 1995, p. 239)

 

Técnicas de Avaliação

Exames convencionais: orais, escritos, práticos;

Provas objectivas: resposta breve e de completamento, selecção de alternativas (binárias ou múltiplas), de correspondência, de ordenamento;

Observação: casual (recolhem-se factos soltos significativos), sistemática (através de instrumentos para o efeito, como, registo de incidentes ocasionais, listas de controle, etc.), escalas de atitudes (questionários dirigidos a explorar as atitudes dos sujeitos), escalas de produção (para valoração dos produtos dos alunos por comparação com os modelos que oferece a escala);

Entrevista: variando segundo o tipo de estrutura (estruturada, semi-estruturada, aberta), segundo o propósito (interrogadora, transaccional, orientadora)

Técnicas sociométricas: sociogramas (análise das relações intragrupais que se expressam por uma série de índices e esquemas gráficos), escalas de distância social (em que o sujeito se situa face aos seus colegas), listas de participação (instrumentos para observar, analisar e caracterizar as intervenções de cada participante durante uma sessão grupal).

(Zabalza, 1995, 264-275; Domingos, Neves e Galhardo, 1987, 219-228)

 

 

Referências Bibliográficas

 

Baker, C., Nishikawa, H. (1992). The continuum of self-directed learning within a graduate professional course. In H. Long & Associates, Self-directed learning: Aplication and research, Oklahoma: University of Oklahoma, 393-405.

Brookfield, S. D. (1986). Understanding and facilitating adult learning. San Francisco, CA: Jossey-Bass.

Brookfield, S. D. (1995). Becoming a Critically Reflective Teacher. San Francisco, CA: Jossey-Bass.

Cronbach, L. J. (1982). Designing Evaluations of Educational & Social Programs. San Francisco: Jossey-Bass.

Domingos, A., Neves, I., Galhardo, L. (1987). Uma forma de estruturar o ensino e a aprendizagem (3ª ed.). Lisboa: Livros Horizonte.

Eisner, E. (1977). On the Use of Educational Connoisseurship and Criticism for Evaluating Classroom Life.  Teachers College Record, 78,  345 - 358.

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Friedberg, E. (1995). O poder e a regra. Instituto Piaget: Lisboa (trabalho original publicado em francês).

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MacDonald, B. (Ed.) (1976) Changing the Curriculum. London: Open Books.

Macedo, Berta (1991) Projecto educativo de escola: do porquê construí-lo à génese da construção. Inovação, 4, 127-139.

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