Aprendizagem Transformativa: uma abordagem ao conceito*

 

(Rui Moura, 2000)

 

Introdução

              O conceito da aprendizagem transformativa está intrinsecamente ligado ao campo da educação de adultos. Apesar de não ser um conceito propriamente recente, tendo o seu estudo emergido após o trabalho de Mezirow (1978), foi na década de 90 que o estudo sobre a aprendizagem transformativa assumiu grande protagonismo na literatura norte americana. A este facto não é alheio o aprofundamento que Mezirow efectuou sobre esta temática no livro que publicou em 1991 sob o título de "Transformative Dimensions of Adult Learning". Este campo de investigação tem sido presença constante nas últimas edições da Adult Education Research Conference na Universidade de Oklahoma, muito particularmente em 1997, onde esta temática foi a mais seleccionada como objecto de análise.

            Para Mezirow (1996), a aprendizagem é concebida "como o processo de utilizar as interpretações anteriores, com vista a construir uma interpretação nova, ou uma interpretação alterada acerca do sentido da experiência pessoal em ordem a guiar a acção futura." (Mezirow, 1996, p. 162). Segundo este autor as perspectivas adquiridas pelo indivíduo constituem o quadro de referência de posteriores interpretações que o indivíduo faz da realidade que o envolve. As novas aprendizagens são, desta forma, 'condicionadas'  pelas aprendizagens anteriores. Ora é exactamente na revisão dessas interpretações assumidas anteriormente pelo indivíduo de forma não critica, que consiste uma das dimensões mais importantes da aprendizagem na vida adulta:

            Estas pressuposições assumidas acriticamente, a que Mezirow intitula de perspectivas de sentido, envolvem, pois,  três diferentes vertentes que influenciam a nossa percepção acerca de nós próprios e da realidade que nos envolve: distorções de ordem epistémica, influenciando o nosso modo de conhecer e a forma como usamos o conhecimento; distorções de ordem sociolinguística, sendo os mecanismos pelos quais a sociedade e a linguagem limitam as nossas percepções; distorções psicológicas, "produzindo  formas de sentir e agir que nos causam sofrimento porque são inconsistentes com o nosso autoconceito e a nossa percepção de como queremos ser como adultos." (Mezirow, 1991, p. 138). Muitas das pressuposições do indivíduo, especialmente as de ordem psicológica, são assimiladas durante a infância, através do processo de socialização e aculturação, sendo frequentemente adquiridas durante experiências significativas com os pais e professores.

            Se a aprendizagem é caracterizada pela influência das pressuposições existentes na análise e compreensão dos novos dados, a aprendizagem transformativa corresponde à alteração das perspectivas existentes. Não se trata de adquirir novas perspectivas, pois a aquisição das mesmas é sempre influenciada pelas perspectivas já existentes, não existindo qualquer alteração na forma como o sujeito vê e interpreta a realidade. A aprendizagem torna-se, pois, transformativa quando os pressupostos são vistos como distorcidos, inadequados, ou inválidos para dar resposta à realidade, dando lugar a uma perspectiva de sentido transformada.

            Antes de se proceder a uma análise mais pormenorizada sobre este conceito, é importante referir algumas das influências na conceptualização da aprendizagem transformativa, permitindo-nos uma melhor percepção sobre as diversas dimensões deste conceito.

 

Influências na aprendizagem transformativa

            Mezirow (1991) observa que a sua abordagem na aprendizagem transformativa é caracterizada por diversas influências. Destas diversas influências destacam-se as seguintes: construtivismo; corrente progressista; pedagogia crítica, muito particularmente os trabalhos de Paulo Freire; reflexão crítica; desenvolvimento intelectual / reflexivo.

 

Construtivismo

            A perspectiva construtivista chama à atenção para o facto do sujeito ser parte activa  na construção dos significados acerca da realidade que o envolve. Em vez de uma visão passiva do indivíduo que 'recebe' a interpretação da realidade a partir dos outros, a perspectiva construtivista destaca o papel participativo do indivíduo na construção dessas mesmas interpretações. Desta forma, a construção da realidade é uma actividade constante que é marcada pela novidade e mudança e não por condições já definidas à partida.

            Segundo esta teoria existe a predisposição inata, por parte do indivíduo, em dar sentido ao mundo que o rodeia. Assim, a concepção determina a percepção, pois o indivíduo conhece a realidade ao agir nela. O conhecimento não é uma mera cópia da realidade, sendo em primeiro lugar um artefacto social, pois constitui a necessidade dos indivíduos darem sentido à realidade que os envolve. Esta perspectiva destaca a competência do indivíduo na construção de significados, sendo um paradigma que acentua a capacidade de autonomia do sujeito. 

 

Corrente Progressista

            Esta perspectiva tem as suas origens no início do século XX, surgindo como resposta ao impacto da industrialização na sociedade, e muito particularmente à necessidade de criação e especialização de mão de obra. Neste contexto o movimento progressista entende que o progresso tem de se basear na interligação entre educação e democracia. Desta corrente destacam-se sobretudo dois autores: John Dewey e Eduard Lindeman. Segundo estes autores a educação deve promover o contínuo crescimento e desenvolvimento ao longo da vida, contribuindo, desta forma, para a construção da comunidade democrática. A educação deve, pois, acentuar o papel activo do indivíduo no processo de aprendizagem.

            No entanto, a maior influência sobre a aprendizagem transformativa prende-se com a importância da reflexão. A reflexão está intimamente ligada à análise da experiência individual, pois é a partir dela que o indivíduo identifica o sentido e interpretações comuns do contexto social que o envolve, permitindo a tomada de estratégias com vista à transformação do comportamento individual e colectivo. A educação deve, pois, partir da reflexão sobre a experiência do sujeito. No entanto, para a corrente progressista, indivíduo e sociedade estão intimamente  interligados: assim, a reflexão leva a que o indivíduo se dê conta da importância das influências de natureza histórica e cultural que o marcam. Esta análise da experiência passada contribui, pois, para a acção e transformação social e para a construção da sociedade democrática.

 

Teoria crítica de Habermas

No prefácio da obra, Transformative Dimensions of Adult Learning, Mezirow (1991) apresenta as diversas influências na sua conceptualização da aprendizagem transformativa, denotando de forma clara a influência da teoria crítica de Jurgën Habermas, particularmente sobre os interesses constitutivos dos saberes, bem como sobre as condições ideais para o discurso racional. Segundo Habermas (1971) o conhecimento resulta de diferentes tipos de interesses: técnico, prático, e emancipatório. O interesse técnico centra-se na resolução das relações causa - efeito, sendo uma forma de conhecimento em que o indivíduo se relaciona com o ambiente / contexto que o envolve. Neste tipo de interesse, o conhecimento é construído em referência ao mundo exterior, existindo uma realidade objectiva que pode ser identificada através do método científico. Esta perspectiva enraíza-se no Iluminismo e Positivismo, onde a ciência é vista como a detentora das respostas para a compreensão da globalidade do mundo, eliminando, assim, todas as interpretações baseadas na suposição, mito, ou crença. A crítica de Habermas a este tipo de racionalidade técnico - instrumental prende-se com  esta tentativa de constituir-se como explicação por excelência da realidade, procurando que todo o conhecimento se enquadre nesse mesmo tipo de racionalidade. "As ciências da natureza perderam parte da sua função de suporte de uma imagem do mundo a favor da produção de saber tecnicamente aplicável." (Habermas, 1987, p. 6). Neste mesmo sentido enquadra-se a crítica de Schön (1983, 1997) aos limites da racionalidade técnica, perspectiva que tem sido muito acentuada particularmente na investigação sobre a formação de professores. Por isso, Habermas associa este tipo de interesse à dominação, situação que deve ser questionada, como se descreverá mais adiante, pelo interesse emancipatório.

            Se a dimensão técnica do conhecimento é caracterizada pela acção objectiva, o interesse prático caracteriza-se pela acção subjectiva, onde indivíduo se relaciona com os outros. O interesse prático do saber é marcado pela procura de consenso entre os diversos indivíduos. "Se a validade das regras e estratégias técnicas dependem da análise analítica empiricamente correcta, a validade das normas sociais está fundada apenas na inter-subjectividade do entendimento mútuo das intenções e assente no reconhecimento geral das obrigações." (Habermas, 1971, p. 92). A inter-subjectividade garante que este saber não seja totalmente subjectivo e arbitrário, pois ele é fruto do consenso entre as diversas pessoas, requerendo que os sujeitos interajam e partilhem um conjunto de significados. É neste sentido que Habermas atribui um papel essencial ao diálogo racional na validação de significados. Apesar de neste tipo de saber as pessoas se entenderem mutuamente, esse entendimento pode, contudo, basear-se em pressupostos distorcidos.

            É pelo interesse emancipatório que o sujeito se liberta das forças contextuais, institucionais e egocêntricas: este conhecimento identifica-se com o autoconhecimento ou a auto-reflexão. Este tipo de saber relaciona-se com o poder, pois é pelo conhecimento emancipatório que o indivíduo se emancipa dos diversos tipos de dominação que limitam o controlo sobre a sua vida, adquirindo pela auto-reflexão a sua autodeterminação. A reflexão crítica assume desta forma, um papel central na construção do conhecimento emancipatório. O interesse crítico - emancipatório envolve a capacidade de ser crítico em relação a si próprio e em relação à realidade sócio - cultural envolvente, pelo processo de questionamento pessoal e questionamento do mundo. Estas diversas forças (ideologias, preconceitos, distorções psicológicas, etc.) limitam o controlo racional do sujeito sobre a sua própria vida, perpetuando relações de dependência. Pelo conhecimento emancipatório o indivíduo é capaz de compreender melhor a sua pessoa, os outros e o meio que o envolve.

            Para Habermas o discurso racional assume um papel central na validação de significados, partilhando Mezirow dessa mesma concepção. Pela razão são analisadas as evidências e os argumentos que suportam determinadas ideias: desta forma, a força de uma determinada ideia deixa de estar relacionada com a autoridade, a tradição, ou a imposição. "O sentido dos termos, e o entendimento do significado desses mesmos termos, não pode ser separado da inerente relação da linguagem com a validação dessas afirmações. Os emissores e receptores entendem o significado de uma afirmação na medida em que eles sabem sob que condições a mesma é verdadeira." (Habermas, 1984, p. 276). Participar no diálogo racional requer o reconhecimento mútuo, e o consenso tácito, de normas, valores e regras fundamentais. Como se verá mais adiante este conjunto de normas, valores e regras constituem, segundo Mezirow, as perspectivas de sentido que guiam e enquadram a interpretação do sujeito sobre a sua realidade pessoal e envolvente.

   

Pedagogia crítica

            O trabalho de alfabetização de Paulo Freire com as populações iletradas da América Latina, teve um profundo impacto em diversas experiências de educação de adultos em diversas partes do globo. Particularmente em Portugal, os movimentos de iniciativa popular nascidos e desenvolvidos no período pós 25 de Abril, tiveram como fundamento o conceito e experiências de educação popular de Paulo Freire (Melo e Benavente, 1978). Freire (1970) verifica que as pessoas, em processo de alfabetização, aprendem melhor se as palavras estiverem carregadas de significado político e estiverem em íntima relação com a situação de opressão em que essas mesmas pessoas vivem. Neste sentido, o objectivo da reflexão crítica é o de levar as pessoas a "profundamente darem-se conta da realidade sociocultural que molda as suas vidas, bem como da capacidade de transformar essa mesma realidade agindo nela" (Freire, 1970, p. 27).

            Para Freire o processo de tomada de consciência das estruturas de opressão, que envolvem o indivíduo, é denominado de conscientização. A partir da sua experiência com as populações do Terceiro Mundo, Freire considera que o processo de conscientização é caracterizado por quatro etapas: 1) consciência intransitiva, onde as pessoas estão apenas preocupadas em satisfazer as suas mais elementares necessidades, não conseguindo discernir outro tipo de preocupações para além das biológicas; 2) consciência semi-intransitiva, onde existe uma cultura de silêncio e repressão e a vida é entendida através de noções como fatalidade, ou destino, e onde os oprimidos internalizam os valores e concepções dos que os oprimem; 3) consciência semi-transitiva, onde as pessoas começam a ser capazes de questionar as suas vidas e a perceber que a realidade sociocultural é determinada pelo ser humano; 4) conscientização, onde os indivíduos são capazes de se envolver num processo dialógico de questionamento e validação das normas sociais, dos códigos culturais, e das ideologias. Pode-se constatar a proximidade entre algumas das características da aprendizagem transformativa com o processo de conscientização. No entanto, segundo Freire, este processo não pode ficar apenas limitado à tomada de consciência: ele conduz à consciência da necessidade de uma acção colectiva de intervenção contra as estruturas de injustiça.

 

Reflexão crítica

            Tendo como base o legado da corrente progressista, a perspectiva da reflexão crítica observa ser necessário que o sujeito se aperceba da realidade sociocultural que o envolve. Se é verdade que a pessoa é marcada e modelada pelo contexto sociocultural, no entanto ela tem a principal responsabilidade de "relacionar as novas ideias e experiências com os conhecimentos já existentes bem como partilhar esses novos conhecimentos em ordem a justificá-los e a validá-los." (Garrison, 1992, p. 146). Reflectir criticamente significa a capacidade do indivíduo ser capaz de dar-se conta dos seus pressupostos, estando disponível para analisar outras perspectivas alternativas de interpretação da realidade.

            A reflexão crítica não é necessariamente mais exaustiva que a reflexão não crítica; a reflexão torna-se crítica quando a pessoa se dá conta das pressuposições hegemónicas que guiam e limitam a sua acção (Brookfield, 1995; Mezirow, 1991). A reflexão crítica tem, por isso, de se basear na experiência do sujeito, pois não só é através dela que o indivíduo adquiriu acriticamente diversas pressuposições (Brookfield, 1998), como é através dessa mesma experiência que a pessoa se confronta com dilemas desorientantes que o levam a reflectir criticamente (Brookfield, 1995; Cranton, 1996). Existe uma grande proximidade entre esta perspectiva e a aprendizagem transformativa, sendo a reflexão crítica uma dimensão chave no processo de aprendizagem transformativa.

 

Desenvolvimento intelectual / reflexivo

            Diversos estudos mostram que o desenvolvimento cognitivo não termina com o pensamento formal, havendo lugar ao desenvolvimento de um raciocínio dialéctico, onde se conjugam o universal (regras gerais) e o particular (contextualização da aplicação dessas mesmas regras), que é denominado por pensamento pós-formal (Brookfield, 1995, 1998; King e Kitchener, 1990, 1994). Estes diversos estudos mostram uma evolução de formas simplistas e estereotipadas de pensamento, para a capacidade de se estar ciente da existência de diferentes e múltiplas possibilidade de resposta acerca da realidade (Loevinger, 1976; Perry, 1970; King e Kitchener, 1994).

            Neste sentido, a evolução da percepção acerca do conhecimento é caracterizada por uma passagem de uma visão unilateral e externa do conhecimento (considerando-se que existe 'a resposta certa' para todas as questões, estando essa resposta na 'posse' das competentes autoridades científicas), para uma percepção da possibilidade da existência de múltiplas soluções, bem como a capacidade do sujeito poder construir essas mesmas soluções. Nesta sequência, King e Kitchener (1994) observam a existência de diversos níveis ao nível do desenvolvimento do pensamento reflexivo. Se os primeiros estádios são caracterizados pela concepção de que existe 'a resposta correcta' para todos os problemas, nos estádios de pensamento reflexivo (o sexto e o sétimo estádios) o conhecimento não é considerado como algo adquirido e estático, mas como algo em que o sujeito tem parte activa na sua construção, numa relação muito estreita com o contexto em que esse conhecimento é gerado. O conhecimento resulta, desta forma, de um processo de exame racional (a que Mezirow intitula de discurso racional), podendo ser sempre alvo de escrutínio e criticismo por parte de outras pessoas. Como se observará mais adiante,  o conceito de exame racional é um tema central no processo de aprendizagem transformativa abordado por Mezirow.

            Uma influência importante na abordagem da aprendizagem transformativa por parte de Jack Mezirow é o estudo do desenvolvimento do indivíduo segundo Labouvie-Vief (1984).  Para esta autora, esse desenvolvimento é constituído por duas fases principais. A primeira fase, que abrange a infância e a adolescência, caracteriza-se pela descodificação dos automatismos biológicos e pela codificação dos automatismos sociais e culturais. Na segunda fase, que abrange o período pós-adolescência, o indivíduo é finalmente capaz de reexaminar as diversas estruturas assumidas na fase anterior. Este é um dos pressupostos para Mezirow considerar que só na idade adulta, a pessoa será capaz de examinar e transformar os diversos pressupostos assumidos anteriormente de forma acrítica.

 

O Processo de Aprendizagem Transformativa

            A teoria da aprendizagem transformativa apresenta uma explicação acerca da transformação das perspectivas de sentido. Para Mezirow o processo de reflexão crítica é crucial para a justificação e validação de pressupostos. "A reflexão é o processo de avaliar criticamente o conteúdo, o processo, ou as premissas dos nossos esforços de interpretar e dar sentido à experiência." (Mezirow, 1991, p. 104). Assim, a reflexão envolve três vertentes: conteúdo, processo, premissas. A reflexão sobre o conteúdo interessa-se pela descrição do problema. Mas, na análise do problema podemos reflectir também sobre as estratégias e procedimentos a utilizar para a solução desse mesmo problema: trata-se da reflexão sobre o processo. A reflexão sobre as premissas leva a pessoa a questionar a relevância do  próprio problema. "Torna-se necessário que muitas vezes reexaminemos e questionemos as nossas pressuposições e premissas menos frequentemente do que sobre o conteúdo ou sobre as nossas estratégias e  tácticas. Mas é apenas a reflexão sobre as premissas que abre a possibilidade para a transformação de perspectivas." (Mezirow, 1991, p. 110).

            Segundo o modelo da aprendizagem transformativa, o indivíduo cria significados a partir das estruturas de sentido em si existentes. As estruturas de sentido são constituídas por duas dimensões: as perspectivas de sentido e esquemas de sentido. As perspectivas de sentido constituem o quadro de referência, os paradigmas, os filtros que moldam e condicionam a percepção do indivíduo acerca de si próprio e da realidade. Descreveu-se anteriormente que as perspectivas de sentido podem ser de ordem psicológica, epistémica, ou sociolinguística. "As perspectivas de sentido determinam as condições essenciais para a construção de sentido de uma determinada experiência. (...) Providenciam-nos o critério para julgar ou avaliar o que está certo ou errado, o que é bom ou mau, o que é bom ou feio, o que é verdadeiro ou falso, o que é apropriado ou inapropriado." (Mezirow, 1991, p. 44).

            Os esquemas de sentido são a manifestação concreta, orientando a acção da pessoa, de uma determinada perspectiva de sentido. "Uma dimensão mais específica do nosso quadro de referência são os nossos esquemas de sentido, uma ramificação do conceito, crença ou sentimento que molda uma determinada interpretação acerca do aborto, das pessoas de cor, da religião, do mercado livre, do capitalismo ou liberalismo." (Mezirow,1994, p. 11). Sendo aplicações mais concretas dos nossos quadros de referência, é muito mais comum proceder a transformações nos esquemas de sentido do que nas perspectivas de sentido.

            A nossa interpretação da experiência é sempre feita através das nossas estruturas de sentido, condicionando as nossas expectativas face aos acontecimentos. Mesmo as novas experiências são interpretadas à luz das pressuposições existentes e, dependendo do grau de congruência, reforçam essas mesmas pressuposições incrementando ainda mais a sua abrangência. As nossas estruturas de sentido orientam / limitam as nossas escolhas: "resistimos a aprender tudo o que não se enquadre nas nossas estruturas de sentido" (Mezirow, 1994, p. 11). Neste sentido, procuramos geralmente quem se enquadra nos nossos quadros de referência, por exemplo com a leitura de determinados autores, de determinados jornais, pelo relacionamento com determinadas pessoas que nos são simpáticas e que comungam as nossas orientações. "Raramente as pessoas procuram deliberadamente livros, conversas, e práticas que elas sabem que irão questionar e pôr em causa as ideias que lhes são familiares e confortáveis." (Brookfield, 1995, p. 29). Desta forma, as estruturas de sentido conduzem a uma visão não diferenciada da realidade, pouco ou nada permeável a outros pontos de vista.

            Se as estruturas de sentido moldam e limitam a nossa percepção, que factores contribuirão para transformar essas mesmas estruturas? Para Mezirow, só quando as perspectivas de sentido deixam de ser congruentes com a realidade, é que a pessoa se apercebe da distorção dessas mesmas perspectivas. Se é pela experiência anterior que o sujeito adquiriu / assimilou as suas estruturas de sentido, é também pela experiência de acontecimentos desorientantes que se apercebe da inadequação dos seus quadros de referência. Este dilema desorientante leva o indivíduo a procurar dar resposta, reflectindo criticamente sobre esse dilema / problema, dando-se conta da inadequação das suas perspectivas, conduzindo à transformação das mesmas. Estas experiências são geradoras de ansiedade, podendo mesmo ser dolorosas, pondo em causa a essência da existência do indivíduo até então (Mezirow, 1997).

            Diversos estudos sobre a aprendizagem transformativa confirmam a importância e o grande impacto destes dilemas desorientantes, constituindo alavancas do processo de aprendizagem transformativa (Ziegahn, 1998; Nelson, 1997; Daley, 1997). Daley (1997), referindo-se a estudos por si desenvolvidos sobre a aprendizagem  transformativa e o seu impacto na prática profissional, observa que certos acontecimentos são de tal forma desorientantes que 'obrigam' o indivíduo a rever profundamente a sua prática.

            Para Mezirow (1991) a transformação de perspectivas envolve uma sequência de actividades de aprendizagem despoletadas por um dilema desorientante e que culminam com a alteração do autoconceito "permitindo a reintegração do contexto da vida individual segundo as condições ditas pela nova perspectiva." (Mezirow, 1991, p. 193). Esta sequência de actividades é, assim, constituída pelas seguintes fases: 1) dilema desorientante; 2) auto-exame acompanhado de sentimentos de culpa e vergonha; 3) exame crítico das pressuposições epistémicas, socioculturais, ou psíquicas; 4) reconhecimento que a tomada de consciência da inadequação das perspectivas de sentido, e a sua transformação, não é um caso individual, mas é uma experiência pela qual já passaram outras pessoas; 5) exploração das opções para novos papéis, relações e acções; 6) planeamento de um curso de acção; 7) aquisição de conhecimentos e competências com vista à implementação do plano; 8) tentativa provisória de experimentação dos novos papéis; 9) construção da competência e da autoconfiança no novos papéis e nas novas relações; 10) a reintegração da própria vida baseada nas condições ditadas pela nova perspectiva.

            O processo de transformação de perspectivas não é possível, segundo Mezirow, sem o discurso racional. Seguindo a teoria crítica de Habermas (1971) sobre os diversos interesses constitutivos do conhecimento, Mezirow associa o discurso racional ao interesse prático. Pelo interesse prático, denominado por Mezirow de aprendizagem comunicativa, a pessoa examina a evidência dos diversos significados comunicando com outros. Seguindo a linha de desenvolvimento do pensamento reflexivo de King e Kitchener (1990, 1994), Mezirow considera que a identificação, justificação e validação de significados é efectuada através do discurso racional, pelo qual o indivíduo analisa a evidência dos diferentes pontos de vista.

Para que este discurso seja possível são necessárias uma série de condições: 1) possuir a informação precisa e completa; 2) ser capaz de analisar os argumentos da forma mais objectiva possível; 3) estar disponível a perspectivas alternativas; 4) ser capaz de reflectir criticamente sobre as pressuposições e as consequências das mesmas; 5) ter igualdade de oportunidades, em relação aos outros, para questionar, refutar, reflectir, sendo também capaz de deixar os outros fazer o mesmo; 6) ser capaz de aceitar o consenso informado, objectivo e racional, como teste legítimo de validação de sentidos. Este tipo de saber encontra-se demasiado dependente do sujeito, pois quando a pessoa comunica com os outros, ela interpreta o que lhe dizem através das suas perspectivas pessoais. Contudo, a participação no discurso racional, segundo as condições ideais, leva os indivíduos a serem mais capazes de reflectirem criticamente sobre as suas perspectivas de sentido. Além disso, "a aprendizagem comunicativa implica lidar com as ideias dos outros, frequentemente leva-nos a confrontar com o desconhecido." (Mezirow, 1991, p. 82). Assim, o discurso racional promove a reflexão crítica, levando o indivíduo a confrontar as suas perspectivas de sentido.

            A aprendizagem transformativa caracteriza-se pela alteração das perspectivas de sentido que enquadram e limitam a interpretação que a pessoa faz da realidade: desta forma, esta aprendizagem transpõe a limitação subjectiva do interesse prático – comunicativo. Mezirow considera que a aprendizagem transformativa se insere no tipo de saber emancipatório, apontando para o desenvolvimento contínuo da pessoa humana, particularmente na vida adulta. Este desenvolvimento emancipatório caracteriza-se pela evolução progressiva para perspectivas de sentido mais desenvolvidas. "Uma perspectiva de sentido mais desenvolvida é mais inclusiva, discriminada, integrativa, e permeável (aberta) do que as menos desenvolvidas." (Mezirow, 1991, p. 193).

Pela auto-reflexão crítica o sujeito transforma as suas perspectivas pessoais, contribuindo assim para um controlo mais efectivo da sua vida pessoal, ou seja, para a sua autodeterminação. É pelo interesse emancipatório que o indivíduo é impelido a identificar e a transformar as perspectivas de sentido distorcidas. "É o interesse do conhecimento resultante da auto-reflexão, incluindo o interesse no modo como a nossa história e biografia se expressam e influenciam a forma como nos vemos a nós próprios, os nossos pressupostos sobre a aprendizagem, sobre a natureza e utilização do conhecimento, e nos nossos papéis e expectativas sociais." (Mezirow, 1991, p. 87). O interesse emancipatório da aprendizagem transformativa implica a libertação destas diversas distorções que limitam o indivíduo, distorções essas que advêm da experiência passada da pessoa. A maioria das aprendizagens adquiridas nessa experiência passada inserem-se no interesse técnico, que Mezirow intitula de instrumental, "produzindo e perpetuando relações não examinadas de dependência." (Mezirow, 1991, p. 87). Desta forma, o interesse emancipatório, presente na aprendizagem transformativa, integra os restantes interesses do conhecimento: o técnico – instrumental e o prático – comunicativo.

            A auto-reflexão crítica  é um elemento essencial no conceito de aprendizagem transformativa desenvolvido por Jack Mezirow, inserindo-se claramente no interesse emancipatório do conhecimento. O processo de auto-reflexão crítica abre a possibilidade do sujeito analisar as diferentes distorções assumidas de forma não crítica, seja sobre si próprio, seja sobre a realidade. A reflexão para ser crítica tem que analisar as premissas, ou os fundamentos do próprio problema: desta forma, é ela que conduz à transformação das perspectivas de sentido. "A aprendizagem transformativa ou emancipatória envolve tudo isto, mas acima de tudo centra-se na crítica das premissas que necessitam de serem reavaliadas em ordem a corrigir preconcepções epistémicas, sociolinguísticas, ou psicológicas, distorcidas ou incorrectamente desenvolvidas." (Mezirow, 1991, p. 215).

 

Análises ao modelo da aprendizagem transformativa

            Diversos estudos têm centrado a sua atenção na análise do conceito da aprendizagem transformativa. King e Lawler (1998) observam a importância da aprendizagem transformativa para os aprendentes adultos, constatando, que o apoio dos professores, colegas, da instituição, etc.,  pode contribuir para uma experiência de aprendizagem transformativa. Fleming (1997) também verifica a importância da influência do grupo de aprendizagem, em que o indivíduo está integrado, na promoção da aprendizagem transformativa. King (1998) refere que a necessidade, por motivos de emigração, de aprendizagem de uma segunda língua pode conduzir à transformação de perspectivas, pois através da língua os indivíduos apercebem-se de outras formas de ver e analisar a realidade, ajudando-os a perceber a distorção das suas pressuposições acerca da realidade sociocultural para que emigraram.

            Nelson (1997) confirma a importância da reflexão crítica no processo de transformação das estruturas de sentido do sujeito. Para Ziegahn (1998) a reflexão crítica é também fundamental para a transformação de perspectivas. Outros autores têm procurado estabelecer a ponte entre o conceito da aprendizagem transformativa e outros conceitos da educação de adultos, muito particularmente com a aprendizagem autodirigida (Cranton, 1994, 1996; Pilling-Cormick, 1998). A autodirecção na aprendizagem pode ser o resultado de um processo de aprendizagem autodirigida, pelo o qual o indivíduo questionou e transformou as suas pressuposições acerca da educação e do papel do sujeito nesse processo. "Tornar-se aprendente autodirigido na prática poderá envolver a reconsideração, e provavelmente a mudança das crenças e pressuposições pessoais sobre a aprendizagem" (Cranton, 1996, p. 110).

            Diversos autores têm procurado, ou apresentar outras dimensões  para além das conceptualizadas por Mezirow, ou mesmo criticar o conceito da aprendizagem transformativa. Seguindo parcialmente a estruturação do estudo elaborado por Taylor (1998), estas diferentes análises ao conceito da aprendizagem transformativa podem agrupar-se da seguintes forma: acção social versus a acção individual; visão descontextualizada da aprendizagem / modelo universal de aprendizagem; demasiada ênfase na racionalidade; o modelo da aprendizagem transformativa.

 

Acção social versus acção individual

            Diversas críticas apontadas à abordagem de Mezirow prendem-se com a excessiva ênfase sobre a mudança individual esquecendo a transformação social (Cunningham, 1993; Heaney, 1996; Newman, 1993). Estas críticas surgem sobretudo de autores inseridos na corrente da pedagogia crítica e do pós-modernismo, considerando que a mudança individual não pode ser dissociada da mudança social, e que essa mudança não pode ser descontextualizada. O indivíduo é marcado pelo contexto sociocultural, e a sua acção não pode ser 'retirada' desse mesmo contexto social: a mudança individual tem de implicar necessariamente a mudança social. Aliás a corrente da pedagogia crítica tem muita dificuldade em aceitar uma abordagem da aprendizagem centrada no indivíduo, sendo também muito crítica para conceitos como reflexão crítica e aprendizagem autodirigida (Heaney, 1996; Cunningham, 1993).

            Hart (1990) e Collard e Law (1989) alertam para o facto das ideologias e o poder terem uma grande influência na forma como comunicamos, podendo mesmo negar a possibilidade da aprendizagem transformativa. Tennant (1993) observa que a abordagem de Mezirow não esquece a importância da dimensão social, não existindo contudo a devida atenção sobre a influência da sociedade na forma como modela a pessoa. Sem colocar em causa a abordagem de Mezirow, outros autores têm procurado verificar as implicações sociais após um processo de aprendizagem transformativa. Por exemplo, a aprendizagem transformativa pode levar o indivíduo a um diferente relacionamento e entendimento das pessoas de outras raças e culturas (Barlas, 1997), a uma participação mais activa em associações de direitos cívicos e ecológicos (Ziegahn, 1998).

            É necessário referir que Mezirow não omite a dimensão social na conceptualização da aprendizagem transformativa. Em primeiro lugar Mezirow presta bastante atenção ao modo como os factores socioculturais estão na base das estruturas, e são o fundamento, das estruturas de sentido do indivíduo. Em segundo lugar "a transformação de perspectivas não ocorre somente no indivíduo isolado, mas também em pessoas envolvidas em grupos e movimentos sociais." (1991, p. 185). Para este autor o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica pode ser fortemente influenciado e facilitado por movimentos sociais como a luta pelos direitos humanos, pelos direitos cívicos, pelo ambiente, pela paz.

 

Visão descontextualizada da aprendizagem / Modelo universal de aprendizagem

            Estando na sequência da crítica anterior, alguns autores consideram que Mezirow não tem em devida linha de conta o contexto histórico e sociocultural na aprendizagem, o que pode limitar o completo entendimento sobre as experiências de aprendizagem transformativa (Clark e Wilson, 1991; Clark, 1992). Mezirow (1996) considera  que a aprendizagem é contextualizada, sendo assim influenciada pela dimensão social e cultural. Contudo, este autor (1999) observa que, apesar das diferenças dos diversos contextos em que a aprendizagem tem lugar, é necessário ter em atenção que os seres humanos têm bastante em comum, como por exemplo a sua procura de aperfeiçoamento, o desejo de entendimento e compreensão da realidade.

            Usher e Edwards (1994) alertam para o perigo da eliminação das diferenças, através de uma conceptualização da aprendizagem que centra a sua atenção sobre um indivíduo descontextualizado da realidade que o envolve, pretendendo assim apresentar um modelo de aprendizagem que abrangeria todos os indivíduos adultos. Assim, a aprendizagem transformativa, ao invés de acentuar as diferenças e a particularidade, procura antes apresentar explicações totalizantes, na busca da total certeza e da perfeição. Além disso, estes autores observam que é necessário estar ciente de que termos como progresso, desenvolvimento, emancipação podem ter por base perspectivas ideológicas que pretendem eliminar as diferenças.  Taylor (1998) também alerta para a necessidade de análise das pressuposições culturais que estão na base da definição de ser adulto, de ser transformado. Para este autor, seguindo a perspectiva de Brookfield (1995) sobre a reflexão crítica, é importante estar ciente dos interesses em manter estas diferentes etapas por parte das estruturas hegemónicas.

            Tendo em conta grande parte destas críticas, Mezirow (1999) afirma, em primeiro lugar, que a transformação de perspectivas não corresponde de forma alguma a um movimento de uma falsa crença para uma verdadeira, mas sim de uma perspectiva não examinada criticamente para uma examinada. Este autor adverte que as posições da corrente pós-modernista, posições essas que não efectuam distinções qualitativas entre perspectivas, deitam por terra qualquer tentativa de promover a aprendizagem transformativa. Assim, as críticas pós-modernistas dificultam não só um melhor conhecimento pessoal, como também impedem a luta contra a injustiça e a opressão. A aprendizagem transformativa centra-se na necessidade de se estar ciente do contexto que envolve o indivíduo, da reflexão crítica das pressuposições, e da validação de sentidos através do discurso racional. Se é verdade que a aprendizagem é profundamente influenciada pelo contexto específico em que se situa, a verdade é que o processo dessa mesma aprendizagem só é melhor entendido recorrendo à identificação dos diversos pontos em comum que contribuem para o seu sucesso: ora, esses diversos pontos em comum podem transcender a cultura local.

            Taylor (1998) refere que a conceptualização da aprendizagem transformativa está marcada pelo contexto onde teve origem. Se é verdade que uma diferente cultura pode ‘partilhar’ a teoria da aprendizagem transformativa, a verdade é que essa aprendizagem está também imbuída do contexto cultural, a social, e histórico, que a envolve, sendo fundamental ter em conta o contexto no estudo da aprendizagem transformativa numa diferente cultura.

 

Demasiada ênfase na racionalidade

            Mezirow acentua bastante a racionalidade no processo da aprendizagem transformativa. A reflexão crítica e o discurso racional são dimensões essenciais na análise e transformação de perspectivas. Contudo, alguns estudos têm mostrado que a aprendizagem transformativa não implica necessariamente um processo inteiramente racional (Dirkx, 1998; Taylor, 1998, 1997; Boyd e Myers, 1988; King e Lawler, 1998). No processo de aprendizagem transformativa, o indivíduo está bastante dependente do apoio de outras pessoas. A relação com os outros não passa apenas pelo discurso racional: o carinho, a emoção, ou seja, a dimensão afectiva é muitas vezes essencial para fazer face à forte experiência de reestruturação da pessoa num processo de aprendizagem transformativa (King e Lawler, 1998; Taylor, 1998). 

            Boyd e Myers (1988) consideram que o processo de aprendizagem transformativa não é somente racional. Para estes autores, no processo de aprendizagem transformativa também interferem outras fontes para além da razão, como a intuição e a emoção: este processo é denominado de discernimento. Dirkx (1998) também acentua a importância de outras fontes não racionais, especialmente a imaginação e a fantasia. Para este autor, as imagens são a forma como nós percepcionamos, vemos, e entendemos o mundo e a nossa pessoa. Desta forma, é também importante ter em conta as dimensões da imaginação e emoção, não ficando apenas limitados à razão.

            Apesar da centralidade da dimensão racional, Mezirow não deixa de focar alguma atenção à imaginação e intuição como fontes indispensáveis para entender e fazer face ao desconhecido. “A intuição também tem um papel central na identificação de uma experiência estranha. A intuição refere-se ao imediato reconhecimento do sentido ou significado de uma experiência, sem passar pelo processo de análise intencional.” (Mezirow, 1991, p. 81),

            Taylor (1997) adverte para o facto das estruturas de sentido poderem ser alteradas ao nível inconsciente. Apesar do autor constatar que Mezirow (1991) não deixa de referir o papel da memória implícita na aprendizagem, contudo esse papel fica muito aquém das suas verdadeiras potencialidades. A memória implícita refere-se a competências que a pessoa repete automaticamente, sem existir qualquer reflexão sobre esses mesmos automatismos: guiar um carro ou uma bicicleta, a utilização da gramática no discurso, são alguns exemplos da utilização da memória implícita. Para Taylor a pessoa pode não só aprender novas coisas, como melhorar o que já se sabe sem que esteja conscientemente ciente disso. Quando a pessoa tem de viver numa outra cultura, ela necessita de aprender novos hábitos, como as saudações locais, os costumes, e rotinas diárias. Quando estas novas rotinas se tornam um hábito, passam a fazer parte de um nível inconsciente. Para o autor, pelo facto de se poder praticar e desenvolver novas competências e hábitos a um nível não consciente, pode conduzir a uma alteração das estruturas de sentido.

 

O modelo da aprendizagem transformativa

            A sequência de dez etapas apontadas por Mezirow também tem sido alvo de algum debate nas diversas abordagens a esta temática, especialmente a primeira: os dilemas desorientantes. Apesar de existirem estudos que confirmam as etapas referidas por Mezirow (Dewane, 1993; Lytle, 1989; Morgan, 1987), bem como a importância dos dilemas desorientantes (Daley, 1997), a literatura tem criticado a visão sequencial da aprendizagem transformativa (Coffman, 1989; Newman, 1996; Taylor, 1994) , bem como a possibilidade da aprendizagem transformativa poder ser ‘despoletada’ sem que para tal tenha que ocorrer um acontecimento marcante / dramático para a pessoa (Clark, 1993; Pope, 1996).

            Um debate semelhante também teve lugar na literatura sobre o conceito da aprendizagem autodirigida, tendo diversos autores referido que o processo de aprendizagem autodirigida não decorre de forma linear, seguindo padrões não previsíveis (Spear e Mocker, 1994; Candy, 1991). Mezirow (1995) reconhece que o processo de aprendizagem transformativa não tem necessariamente de contemplar todas as fases indicadas no modelo. Para o autor (1999) não existe qualquer visão do processo como linear ou determinado à partida; pelo contrário, na aprendizagem transformativa não existem resultados antecipados.

 

Considerações Finais

            A aprendizagem transformativa é um conceito central na investigação em educação de adultos. A sua análise é essencial, de forma a compreendermos uma das formas importantes de aprendizagem na vida adulta: a análise e a transformação de perspectivas assumidas acriticamente, muito particularmente durante o processo de socialização e aculturação. Nesse sentido, procurou-se apresentar o quadro teórico, bem como a síntese do debate que se tem gerado na discussão deste conceito.

            Este conceito não pode ser entendido isoladamente, tendo-se procurado apresentar as diferentes influências na sua conceptualização. Além disso, o seu estudo pode entrecruzar-se com um outro conceito que tem sido alvo de extensa análise no campo da educação de adultos: a aprendizagem autodirigida. É, assim, pertinente o desenvolvimento de estudos que abordem a importância da aprendizagem transformativa na vida do indivíduo, seja a nível pessoal, profissional, ou social.

            Reconhecer a importância deste tipo de aprendizagem, não significa de forma alguma que seja o único objectivo a atingir na educação de adultos, ou que seja a forma de aprendizagem na vida adulta por excelência. Nem todos os indivíduos estão predispostos para a aprendizagem transformativa (Taylor, 1998), como nem todos os educadores de adultos se sentem entusiasmados com o facto da aprendizagem transformativa ser um objectivo a alcançar (Imel, 1998). “A aprendizagem transformativa pode não ser sempre o objectivo da educação de adultos, mas a sua importância não deve ser menosprezada e todos os educadores devem tentar percebe-lo, mesmo que façam a opção de não a promoverem.” (Imel, 1998, p. 2).

   

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* Artigo aceite e a aguardar publicação na Revista Portuguesa de Pedagogia da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.